Acumulamos memórias, dores e desejos da infância e isso pode mover a nossa vida adulta inteira, de forma que muitas áreas da nossa história ficam subdesenvolvidas pela ausência de uma percepção aguçada do que deve ficar e do que devemos abrir mão.
É importante saber que quando crianças todos temos necessidades emocionais que são básicas para um bom desenvolvimento da nossa personalidade e identidade. A base de quem eu sou, do que eu gosto ou desgosto entre outras particularidades, têm sua fundação em nossos primeiros anos e quando adultos, sendo conscientes dessa formação e como ela nos move, podemos modificar nossa percepção melhorando as próximas páginas do nosso livro existencial.
Eu costumo exemplificar que é como se você construísse um par de óculos nos seus primeiros anos, com todas as suas limitações infantis, para satisfazer a necessidade daquele momento da maneira que mais te protegesse da dor, até aí tudo bem, você se organizou como pode para sobreviver, o desafio é quando atualmente, você ainda coloca esses óculos para enxergar as situações e lidar com elas. Considerando que hoje você cresceu, sua estrutura física mudou e consequentemente ao usar esse recurso, os “óculos de criança”, você vai sentir os desconfortos do aperto, da pouca visibilidade, do desgaste do tempo etc.
Então, explicando de maneira bem lúdica e superficial: Como adultos, precisamos trocar de óculos! Você pode até manter o modelo, a cordinha que os segura ao seu pescoço, mas a lente, a armação, talvez até a cor, precise ser atualizada para as suas necessidades do aqui-agora.
E quais são essas necessidades? Para a psicologia no estudo do desenvolvimento humano, a criança, sempre de forma equilibrada e intermediada pelo adulto responsável por ela nessa fase, precisa estabelecer: vínculo seguro, estímulo a autonomia, limites realistas, autocontrole, orientação para si, espontaneidade e livre expressão no mundo.
Assim como eu há muitos anos me questionei, você pode estar se perguntando: e se eu cresci em um ambiente desestruturado, onde não era possível que eu tivesse supridas essas necessidades porque não quiseram ou porque não tinham para me oferecer?
Nesse caso, que acredito eu ser o contexto da maioria de nós, se não de todos, visto que somos educados por outros seres humanos, é possível que, em alguma área da nossa vida, possa ter nos faltado suprimento, ou ter sido oferecido de maneira exagerada. Sendo assim, olhar para a nossa capacidade cerebral é parte da reparação do nosso funcionamento no saudável.
O cérebro humano tem em si a possibilidade de criar novas percepções, “outros óculos”, quando somos expostos a novas experiências. A esse processo, que estou explorando de maneira rápida e resumida, chamamos: neuroplasticidade. Trata se da capacidade que temos de aprender e alterar nosso pensamento e comportamento. O corpo está sempre em busca da homeostase (processo de se manter em constante equilíbrio), assim também às nossas emoções estão sempre nos levando a ajustamentos mentais e comportamentais que nos favoreçam satisfação e saúde.
Cada um se ajusta de um jeito? Sim. Há maneiras mais saudáveis de se ajustar? Sim. E podemos explorar isso melhor em outro momento. Agora, meu objetivo nesse texto, é provocar você a refletir acerca das lentes que você ainda usa.
Na busca muita vezes desenfreada e adoecedora de suprir necessidades de forma automática, numa mentalidade movida pela emoção sem uso da razão, podemos lançar mão de recursos que não nos saciam mais, desencadeando uma vida vazia e sem sentido, cheia de dores e de “apertos” que “eu” adulto pode e deve dispensar.
É possível começar pensando acerca das necessidades citadas acima e que talvez você perceba que não foram supridas de maneira adequada, sendo demais ou de menos. Em um segundo momento, avalie: se você está e como está buscando suprir essa necessidade hoje. Pergunte-se e busque responder ainda que com auxílio de um terapeuta ou de um livro ou de amigo que você julgue mais sensato: Quando eu busco afeto, proteção, autonomia, limites etc, eu estou buscando como um adulto ou como uma criança? Como seria adequado um adulto agir nessa situação?
Algumas vezes na vida você pode acessar sua gaveta de memórias e colocar as lentes de criança, porém, depois dessa autoavaliação, esses momentos serão escolhidos por você, ao contrário de ter uma vida refém de uma criança carente de afeto, com medo, indisciplinada etc…
O trabalho de autoconhecimento é árduo, às vezes penoso, deve ser feito envolvido em amor, autocompaixão e paciência. A liberdade de se conhecer é um preço que vale uma vida inteira. Tenha coragem, a criança que você foi vai ter orgulho do adulto que você vai se tornar.
Patricia castro
@psi.patriciacastro
Psicóloga Clínica. Psicoterapeuta há 10 anos. Formada em Terapia Focada em Esquemas pela Wainner Psicologia Cognitiva – New York Institute Of Schema Therapy. Mestranda em Desenvolvimento Humano.